PADRE EDEGARD SILVA JÚNIOR
No dia 25 de janeiro de 1998, o jornal “A Tarde”, da capital baiana, lançava como manchete: "450 mil crianças fora da escola no estado da Bahia - o maior número de todo o país!". O que o jornal publicou já era na época uma preocupação para o Centro de Educação em Meio Popular (CEMEP), em Valença-BA.
Uma das áreas de atuação deste Centro de Educação Popular eram as escolas comunitárias – o chamado, Projeto Casulo. A metáfora do casulo retoma a educação como um processo de formação e embelezamento da vida, um movimento transformador para educadores, educadoras e educandos.
COMO SE INICIOU O PROJETO CASULO?
Em 1991, as Irmãs Campostrini e os Missionários Saletinos, percebendo o grande número de crianças e adolescentes não alfabetizados, no município de Valença, e a carência de escolas públicas nas periferias, organizaram algumas escolas na comunidade para atender, sobretudo, crianças em fase de alfabetização.
Dessas comunidades, foram convocadas lideranças da comunidade, que pudessem assumir o projeto e, com a assessoria da Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase) de Itabuna/BA, iniciamos um processo de formação de educadores comunitários, no Método Paulo Freire. Este processo de formação levou dois anos e uma das etapas foi realizada com a presença do Educador Paulo Freire, na cidade de Coaraci-BA. Nos encontros de formação, eram vistos temas como metodologia, técnicas de grupo, análise de conjuntura, concepção de trabalho popular , etc. Acreditávamos que não bastava apenas haver escolas para atender a demanda, eram necessários educadores atentos ao processo de formação cidadã das crianças e das famílias delas. Era importante, sobretudo, que os próprios educadores estivessem imbuídos de um espírito cidadão.
As duas primeiras escolas foram instaladas nos pequenos salões comunitários de dois bairros da cidade. Tudo era muito difícil, até mesmo porque nosso trabalho, dizia a política conservadora da cidade, era “político”. Enfrentamos boicotes, difamações, etc. A educação que é uma obrigação do estado, tínhamos que buscar apoio num grupo de benfeitores em Verona na Itália. Mas enfrentamos tudo isso e procuramos fomentar uma rede de escolas comunitárias capazes de responder ao desafio da alfabetização infantil nas periferias da cidade de Valença.
Para muitos nossas escolas eram sem “espaço”, “feias”, de “taipa”... fazíamos na época o que estava ao nosso alcance. Naquele momento o que valia era alfabetizar as crianças destes bairros populares.
Assim vai nascendo aos poucos as Escolas Comunitárias e toda uma equipe formada no método Paulo Freire... Isso a partir de 1991!
· Escola Comunitária Paulo Freire (bairro da Lapa)
· Escola Comunitária Antônio Conselheiro (Vila Boa Esperança)
· Escola Comunitária Joilson de Jesus (bairro Porto do Imbira)
· Escola Comunitária Zumbi dos Palmares (bairro Santa Luzia)
· Escola Comunitária Nossa Senhora de Guadalupe (bairro do Jambeiro)
· Escola Comunitária Galdino de Jesus (bairro da Jaqueira)
A terceira escola surgiu associada a uma experiência de reforma agrária. Um grupo de trabalhadores rurais havia ocupado uma área de terra e avaliamos, com eles, que era o momento de também investir numa escola comunitária. Era a Vila Boa Esperança. Numa construção muito simples, feita pelos próprios posseiros (era deles e para os filhos deles o projeto), a escola era mais uma boa esperança que surgia. Construímos assim, a Escola Comunitária Antônio Conselheiro. Era uma forma de trazer à consciência e ao coração o sonho de Canudos: uma comunidade que participava do processo educativo. A escola atendia anualmente cem crianças da alfabetização à quarta série nessa área rural. A professora caminhava todos os dias uma distância enorme da cidade até a Vila. Tinha que passar inclusive por dentro de um rio...
O trabalho foi-se firmando, as ocupações urbanas surgindo e o grupo percebeu a necessidade de a escola comunitária chegar também a outros lugares. Estivemos presentes nos lugares mais pobres da cidade com seis escolas. Todas elas construídas com o envolvimento da comunidade, em mutirões, acompanhando o próprio jeito do bairro. Estas escolas eram casas simples, da forma que o povo podia construir. Uma das escolas começou numa casa de taipa e só depois foi restaurada, mesmo assim de forma bem simples. O importante era atender às crianças do bairro.
Com muita dificuldade procuramos envolver a sociedade civil no processo de manutenção destas escolas. Se um grupo da Itália pode ser solidário a este projeto, onde fica a resposta da comunidade? Durante o ano eram realizadas duas grandes atividades. A primeira consistia numa celebração realizada na Igreja Matriz do Coração de Jesus, por ocasião da festa do padroeiro, e cada ano era dedicada uma noite a todas as escolas comunitárias. Nesta celebração as crianças das escolas comunitárias participavam e os alunos das demais escolas traziam na hora do ofertório material escolar - papel, lápis, caneta, tinta, giz etc. - que era doado para as escolas comunitárias. Dessa forma, garantia-se o material didático.
Algumas pessoas da cidade acreditavam neste trabalho (que era boicotado na época pela Prefeitura Municipal), e ajudava a cada ano na campanha do uniforme. Procuramos uma firma que confecciona os uniformes, cada pessoa ou uma turma de uma escola particular, assumia o uniforme de uma turma ou de algum aluno.
As escolas comunitárias não tinham por objetivo suprir, ou eliminar, o papel do Poder Público, especialmente o do governo municipal, no dever de garantir escola pública e gratuita para a população. Com o passar do tempo e já em outro contexto político, o Projeto Casulo foi aos poucos procurado envolver o poder público, principalmente no que tange à manutenção dos educadores e da refeição dos educandos. Na verdade, o Projeto foi uma resposta da sociedade civil que denunciava desta forma, a falácia dos discursos governamentais de falta de recursos para a educação. Por outro lado, fica também demonstrado que os projetos governamentais, que apregoam abrir espaço para "toda criança na escola", nem sempre era verdade.
Cabia ao CEMEP a administração destas escolas comunitárias, mas a linha pedagógica e a ligação entre escola e comunidade eram assumidas por uma equipe de coordenação pedagógica que se reunia constantemente com os monitores para planejamento e organização de cada escola.
Durante o ano, eram realizadas algumas atividades em comum - dias de lazer, de formação, de celebração reunindo todos os alunos das escolas comunitárias.
A orientação que os monitores recebiam e a linha dessas escolas asseguravam que o trabalho da escola comunitária precisava ser diferente - devia envolver a comunidade, aproveitar o máximo de material alternativo e despertar a criança para a cidadania.
Com o passar dos anos percebemos que nosso papel era de cobrar do poder público esta tarefa. Não cabia a nós assumir o pagamento de professores e construção de escolas... assumimos por um tempo por uma necessidade pela omissão do estado nestas pontas de rua...
Passados estas anos fazemos memória desta experiência... que tempo bom... restam as fotografias para contar a história e mais do que isso, saber que hoje encontramos homens e mulheres que foram alfabetizadas nas escolas comunitárias do Projeto Casulo...
Que bom saber que os professores das Escolas Comunitárias são hoje excelentes profissionais e lutam por uma educação libertadora!
Abraço a vocês que viveram esse tempo!
Padre Edegard Silva Júnior
(Por ocasião dos 15 anos da morte de Paulo Freire)
ESTA ERA A ÉPOCA EM QUE POUCOS SE PREOCUPAVAM COM A EDUCAÇÃO DE VALENÇA. HOJE TEMOS ESCOLAS FECHANDO, A EXEMPLO DA ESCOLA JOILSON DE JESUS, NO PORTO DA IMBIRA.
ResponderExcluirE DO JEITO QUE AS AUTORIDADES ESTÃO TRATANDO A ESCOLA CLEMENSU TEIXEIRA, NA BOLÍVIA, LOGO LOGO ELA VAI ESTÁ FECHANDO TAMBÉM.
QUEM VAI SAIR PERDENDO É O POVO.
PARABENISO A NIVIA E A DOMINGOS QUE FAZEM DE TUDO PRA MANTER AQUELA ESCOLA DE PÉ, MESMO SEM O APOIO DAS AUTORIDADES.